No dia 3 de setembro foi realizada uma reunião no gabinete do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Antonio Barra Torres com o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que mostrou grande preocupação com a proibição dos cigarros eletrônicos no Brasil, declarando que “a repressão ao cigarro eletrônico seria enxugar gelo, que havia compartilhado esse problema com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que o ministro também se mostrou muito preocupado com essa situação.”
Ele citou dados de apreensão de cigarros comuns e eletrônicos de 2022 a 2024 e disse ter certeza que “não há condições de reprimir o contrabando”, além de não gerar receita ao país, o que prejudica os cofres públicos. Barreirinhas afirmou também que a Receita acaba por “fomentar o crime organizado quando não consegue combater de forma eficaz o contrabando e o descaminho.”
Além do ponto de vista tributário, o secretário disse que “a manutenção da proibição do cigarro eletrônico não gera nenhuma receita e que há um crescimento exponencial do consumo, o que justificaria uma ação pragmática [sic] sobre o tema” indicando que colocaria novos dados em documentos que seriam compartilhados com a Anvisa expondo a “impossibilidade fática de se reprimir algo tão amplo.”
Segundo a ata, o secretário relatou ter conversado com colegas da área de combate ao contrabando e que eles teriam dito que “se a sociedade não ‘percebe’ um produto como sendo proibido, a repressão se torna impossível.”
Muita gente não sabe, mas os cigarros eletrônicos tem o comércio, importação e fabricação proibidos há mais de 14 anos por uma resolução da Anvisa, que decidiu manter a mesma decisão após 5 anos discutindo o assunto. A falta de informação ocorre porque nunca houve proibição da posse ou uso dos produtos, o que se mostrou a receita perfeita para a criação de um mercado ilegal descontrolado, controlado pelo crime organizado, cujos produtos impõem riscos à saúde impossíveis de serem previstos, pois não há controle sanitário, podem estar contaminados ou com concentração de nicotina fora dos padrões brasileiros impostos nos cigarros convencionais.
Sem nenhum controle na produção ou venda, os cigarros eletrônicos vendidos no Brasil podem impor riscos à saúde iguais ou até piores do que os já muito prejudiciais cigarros convencionais a combustão, além de financiar o crime organizado e até o terrorismo.
A situação apresenta a perda de uma grande oportunidade, já que no processo de análise realizado pela Anvisa para decidir se matinha ou não a proibição, a agência recebeu milhares de páginas de documentos científicos, pesquisas acadêmicas e dados de outros países que comprovam que os produtos oferecem danos à saúde muito menores do que os cigarros convencionais, desde que tenham a fabricação e o comércio controlado, com lista de ingredientes permitidos, campanhas de informação e repressão ao consumo por não fumantes e especialmente menores.
Também foi realizada uma consulta pública que mostrou que a maior parte da sociedade brasileira discordava da proibição.
Uma pesquisa da FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) mostrou que a regulamentação da comercialização dos cigarros eletrônicos no Brasil pode levar a um aumento de R$ 3,4 bilhões na arrecadação anual do governo a partir de impostos de importação.
De acordo com o IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), antigo Ibope, em 2023 havia cerca de 2,9 milhões de usuários no território nacional. Diante da parcela de usuários, se houvesse permissão de comércio controlado desses produtos, poderiam ser criados 124,5 mil novos postos de trabalho formais e informais.
Fernando César Oliveira, superintendente da PRF no Paraná, diz que o estado responde pela maior parte das apreensões de cigarros eletrônicos no país, por ser vizinho ao Paraguai, principal fonte de entrada dos produtos. Ele afirma que o crescimento das apreensões se deve à alta rentabilidade proporcionada por esse tipo de crime, combinada com a relativa facilidade para comprar os itens no Paraguai e os revender no Brasil.
“Há grupos criminosos muito bem organizados atuando nesse tipo de contrabando, que por vezes usam rotas alternativas para tentar fugir da fiscalização, além de monitorar a atuação dos órgãos policiais”, disse.
Na avaliação de Edson Vismona, presidente do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade), os produtos são facilmente encontrados em todo o país: “O crime organizado não obedece a leis e regulamentos. Milícias e organizações criminosas operam livremente nesse comércio ilegal e encontram também no cigarro eletrônico um meio fácil de obter recursos, lucro. É o monopólio do crime que se posiciona no mercado brasileiro”, afirmou.
As apreensões feitas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no Paraná subiram 1.131% neste ano e acenderam um alerta nos serviços de repressão existentes na fronteira paraguaia.
De 9.500 unidades flagradas entre janeiro e outubro de 2022, o total subiu para 117 mil neste ano, no mesmo período, conforme o superintendente da PRF no Paraná, Fernando César Oliveira.
Ele afirma que, até 2021, praticamente não havia registro de apreensões de cigarro eletrônico não só na fronteira, mas em todo o estado.
As apreensões ocorrem de várias formas. Um casal de idosos foi flagrado numa Range Rover avaliada em mais de R$ 500 mil com cem cigarros eletrônicos. O produto também já foi achado numa ambulância que cruzou a fronteira.
“Você compra um cigarro desses por US$ 5 e vende na balada em São Paulo por R$ 150. Óbvio que isso estimula [o contrabando]. Se a pessoa comprar dez cigarros, fará mais de R$ 1.000 de lucro”, conta Cezar Augusto Vianna, chefe da fiscalização da Receita Federal na ponte da Amizade.
Dados da Receita Federal mostram que em 2019 as apreensões de cigarros eletrônicos foram de R$ 1,9 milhões de reais ou quase 23 mil unidades. Já em 2023, até outubro os valores somaram mais de R$ 53 milhões de reais ou quase 1.2 milhões de unidades, um aumento de mais de 5.200% em 5 anos.