A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, realizou uma consulta pública entre Dezembro de 2023 e Fevereiro de 2024 perguntando a opinião da sociedade sobre a proibição dos cigarros eletrônicos no Brasil.
De acordo com a legislação vigente, definida pela RDC 46/2009 da Anvisa, é proibido comercializar e importar os chamados DEFs – Dispositivos Eletrônicos para Fumar, também conhecidos como cigarros eletrônicos, vapes ou pods.
Apesar disso, conforme dados do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), nos últimos 6 anos o consumo de cigarros eletrônicos disparou 600%, passando de 500 mil unidades para quase 3 milhões.
Esse consumo é alimentado por um grande mercado ilegal que cresceu mais de 5.200% em 5 anos, sem precisar seguir qualquer regra sanitária e cujo lucro sustenta milícias e o crime organizado. Dados da Receita Federal informam que em 2019, as apreensões de cigarros eletrônicos foram de R$ 1,9 milhões de reais ou quase 23 mil unidades, já em 2023 os valores ultrapassaram mais de R$ 53 milhões de reais ou quase 1.2 milhões de unidades.
O uso entre menores de idade também é alto, uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que 22,6% dos adolescentes já experimentaram cigarros eletrônicos.
Além dos impactos para a saúde, há uma perda estimada de R$ 7,5 bilhões para esse mercado clandestino, enquanto só de impostos federais o Brasil perde R$ 2,2 bilhões todos os anos.
Por conta desse cenário, em 2019 a Anvisa iniciou uma revisão da atual regra e desde então estabeleceu diversos processos, como consultas públicas, grupos de trabalho, relatórios de análise de impacto regulatório, entre outros.
Em Dezembro de 2023 a agência finalmente apresentou um novo texto, que para surpresa de muitos especialistas, propõe a manutenção da proibição, endurecendo as já existentes regras proibitivas.
Essa nova proposta para uma legislação atualizada foi colocada em consulta pública, perguntando a opinião da sociedade.
O resultado apresentado em Março mostra que mais de 58% das contribuições totais não concordam com a proposta da Anvisa, ou seja, não apoiam a proibição e preferem que os cigarros eletrônicos tenham o comércio permitido, porém controlado.
Do total de 13.930 contribuições, podemos dividir entre 3 grupos principais: cidadãos e consumidores, empresas e organizações, e outros indivíduos (profissionais da saúde, pesquisadores, etc). O grupo com maior participação foi o de cidadãos e consumidores, com 11.250 participações, equivalente a 80,76% das contribuições. Levando em conta somente este total, 63,52% foram contra a proibição dos cigarros eletrônicos.
Estes números são ainda maiores, mas por causa de um formulário confuso criado pela Anvisa, muitas pessoas deram respostas erradas, prejudicando as estatísticas. O principal problema ocorreu pela forma como a pergunta foi escrita no formulário. Na consulta pública a principal pergunta foi “Você é a favor da norma?”
Tal pergunta se refere ao novo texto apresentado pela Anvisa no início do formulário da consulta pública, que propõe a manutenção da proibição, porém muitas pessoas responderam pensando se tratar de “uma norma” ou “uma regra”, pois quem defende a regulamentação do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil, também defende a criação de regras rígidas, já que atualmente não há qualquer controle sobre o que é comercializado no país.
São muitas participações similares que responderam “SIM”, mas defenderam a permissão do comércio dos cigarros eletrônicos em sua justificativa, mostrando que na verdade desejavam responder “NÃO”, o que aumentaria as estatísticas de quem é contra a proibição, vejamos um exemplo:
Ao consultar os dados apresentados pela Anvisa, temos a resposta identificada pelo número 215, realizada por alguém de Minas Gerais – MG, que escolheu “SIM” para a pergunta, o que significa apoiar o novo texto e consequentemente a proibição dos cigarros eletrônicos, porém sua justificativa não condiz com a resposta:
“Sou fumante e o cigarro eletrônico ajuda a deixar o tabagismo. De acordo com pesquisas particulares em sites do mundo inteiro, o cigarro eletrônico é menos prejudicial a saúde e mais eficaz para deixar o tabagismo.”
São dezenas, senão centenas ou milhares de respostas, que apresentam a mesma situação. Seria preciso revisar todas as contribuições para determinar qual é a real estatística de pessoas que não apoiam a proibição dos cigarros eletrônicos no Brasil, o que aumentaria ainda mais o percentual de 63,52%. Vejamos outros exemplos, encontrados somente nas primeiras páginas do relatório:
A identificação número 323 do Paraná respondeu que SIM (para a proibição), porém diz que: “Esses dispositivos já estão inseridos e com alto consumo, devemos liberar e fiscalizar melhor a fabricação e distribuição dos mesmos, visto que se continuar proibido, não vai diminuir o consumo em nada. Vamos arrecadar impostos sobre isso e regulamentar.”
A identificação número 467 do Paraná respondeu que SIM (para a proibição), porém diz que: “Não há mais controle sobre o cigarro eletrônico, proibindo ou não as pessoas continuam fumando e vão continuar mesmo sendo proibido isso é fato. Então se não há mais controle sobre isso porque não legalizar para gerar impostos?? Visto que vindo pelo contrabando o país não está lucrando e o uso vai continuar mesmo sendo ilegal”
A identificação número 562 de São Paulo respondeu que SIM (para a proibição), porém diz que: “Eu era fumante de cigarro por 10 anos e fumava muito, vivia com tosses e não tinha forças para nada, nem subir uma ladeira. Até começar a usar cigarro eletrônico. No estilo mtl, que o voltado para que quer parar de fumar, eu comecei com 60 MG de nicotina, mas abaixei para 6 MG em pouco tempo, e me sinto bem melhor com minha saúde, a falta de aprovação só ajuda a jovens usarem sem precisar, o cigarro eletrônico deve ser uma alternativa para quem quer parar, deve ser legalizado, mas com regras, tirar líquidos com 50 MG e tirar sabores de fruta que chama atenção de jovens”
A identificação número 585 de São Paulo respondeu que SIM (para a proibição), porém diz que: “Atualmente com 45 anos comecei a fumar cigarros com 13 anos. Tentei parar de fumar diversas vezes sem sucesso. Em 2018 descobri o cigarro eletrônico onde consegui abandonar o cigarro convencional. O impacto na minha saúde foi brutal a sensação que eu tive uma melhora significativa… A minha grande preocupação hoje é o que contem os líquidos para cigarro eletrônico que estão disponíveis para compra hoje, já que não são regulamentados. Portanto o cigarro eletrônico que me ajudou pode me causar riscos por falta de regulamentação.”
A identificação número 658 de São Paulo respondeu que SIM (para a proibição), porém diz que: “É inegável os benefícios em relação ao cigarro convencional. Se bem monitorado e controlado para dificultar o acesso aos jovens menores, é uma solução interessante e viável.”
O Direta apoia uma regulamentação que permita um comércio rígido e controlado dos cigarros eletrônicos no Brasil, seguindo o exemplo de mais de 100 países que já decidiram por este caminho, tais como Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos e Suécia.
Nos Estados Unidos, até 2019 não havia regulamentação para os cigarros eletrônicos, o que resultou em 27,5% de uso entre menores de idade. Após a decisão por criar um mercado controlado dos produtos, este número caiu mais da metade e hoje o país atingiu o menor patamar de tabagismo adolescente e o menor índice de uso de nicotina dos últimos 50 anos.
A Suécia está prestes a se tornar o primeiro país oficialmente considerado “livre do fumo”, de acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde, já muito perto de atingir o percentual de tabagismo de apenas 5% de sua população. O país faz campanha mundial sobre como está conseguindo este feito, graças a uma abordagem pragmática que não ignora o importante papel dos cigarros eletrônicos para que adultos fumantes possam fazer uma troca completa dos cigarros convencionais para os vapes.
A Inglaterra continua fazendo grandes revisões científicas anuais, para analisar os potenciais danos à saúde causados pelos cigarros eletrônicos e sistematicamente declara há anos que, apesar de não serem isentos de riscos, são produtos que apresentam apenas uma pequena fração dos riscos de fumar.
O Brasil deve seguir uma abordagem científica baseada em evidências, caso contrário teremos um grande escândalo sanitário que vai prejudicar milhões de pessoas.
Apresentamos uma análise detalhada dos dados da consulta pública da Anvisa que você pode acessar clicando aqui.