De autoria da Senadora Soraya Thronicke (PODEMOS/MS), o projeto de lei Nº 5008, de 2023 propõe uma nova regulamentação para os cigarros eletrônicos no Brasil.
Desde 2009, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, proibiu o comércio, importação e propaganda. Após mais de 5 anos deliberando sobre o assunto, recentemente a agência propôs uma regulamentação atualizada ainda mais restritiva, que mantém a proibição e aposta mais alto na restrição, podendo criminalizar milhões de consumidores ao proibir a posse e o uso dos produtos.
O DIRETA considera a nova proposta extremamente prejudicial para a saúde pública, consumidores e principalmente os jovens, pois não irá resolver o problema do mercado ilegal, não cria regras sanitárias para os produtos que são consumidos por milhões de pessoas, marginaliza o consumidor e vai contra o que mais de 100 países estão fazendo ao redor do mundo, com grandes resultados positivos.
Atualmente em consulta pública, a nova regra proposta pela Anvisa está aceitando participações de todos os interessados. Consulte nossa página especial sobre o assunto para saber mais.
Em relação ao Projeto de Lei, em nossa análise um passo muito mais adequado e alinhado com a ciência, você também pode participar, apoiando e votando “SIM” utilizando este link. Sua participação é muito importante!
O cenário atual
Apesar de uma regulamentação proibitiva existir há mais de 14 anos, o comércio e consumo ocorrem em larga escala, com produtos sendo oferecidos nos mais diversos locais como casas de show, tabacarias, ambulantes e lojas especializadas na Internet.
A oferta acompanha a demanda, já que o país vê um aumento exponencial de consumidores. Um levantamento de 2022 do IPEC — Inteligência em Pesquisa e Consultoria — apontou que o uso desses produtos no país quase quadruplicou em 4 anos. Em 2018, eram aproximadamente 500 mil pessoas e em 2022 foram identificados mais de 2,2 milhões de consumidores. O relatório também informa que dentre os fumantes, quase 6 milhões já experimentaram os cigarros eletrônicos.
Dados ainda mais atualizados são do relatório Covitel 2023 – Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, produzido pela Vital Strategies, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Umane e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
De acordo com o relatório, “a prevalência de experimentação de cigarro eletrônico no Brasil foi de 7.3% (IC95% = 6.0; 8.9) no primeiro trimestre de 2022 e 8.0% (IC95% = 5.7; 11.1) no primeiro trimestre de 2023. As análises que constam nesta seção consideram o número estimado de pessoas que usam ou já usaram cigarro eletrônico, totalizando cerca de 4 milhões de pessoas no Brasil, no primeiro trimestre de 2023.”
O mesmo relatório também indica que aproximadamente 1 a cada 4 jovens de 18 a 24 anos no Brasil (23,9%) já utilizou alguma vez um cigarro eletrônico. A tendência é de alta, no ano passado esse percentual era de 19,7%, ou seja, 1 a cada 5 indivíduos na faixa etária. O crescimento, em apenas 12 meses, foi de 21,3%.
Esses números refletem os dados da Receita Federal, que mostram que em 2019 as apreensões de cigarros eletrônicos foram de R$ 1,9 milhões de reais ou quase 23 mil unidades, saltando para R$ 53 milhões de reais ou quase 1.2 milhões de unidades em 2023, um aumento de mais de 5.200% em 5 anos.
Todo esse consumo é feito através de um mercado 100% ilegal, sem qualquer controle sanitário ou de segurança, sem regras para fabricação dos produtos como limites de nicotina ou ingredientes, o que possibilita o uso de produtos impróprios e abre margem para contaminações.
Mais de 100 países já regulamentaram os produtos, com exemplos como a Inglaterra, que tem incentivado adultos fumantes a trocar os cigarros convencionais pelos eletrônicos, em um programa chamado “Swap to quit” (“mude para parar” em tradução livre) que prevê a distribuição gratuita de 1 milhão de cigarros eletrônicos para adultos fumantes. A Suécia é outro caso emblemático, que está prestes a se tornar o primeiro país no mundo a ser oficialmente “livre do fumo”, de acordo com a OMS – Organização Mundial da Saúde – atingindo um patamar de apenas 5% da população fumante, declarando publicamente que este feito não poderia ter tido sucesso sem a ajuda dos cigarros eletrônicos.
Principais pontos da nova lei
O texto estabelece a permissão do comércio, fabricação e importação em todo o território nacional, deixando claro que a propaganda é vedada, exceto no ponto de venda, exatamente como já ocorre com os cigarros convencionais. Medidas para proteger os jovens estão em todo o texto, com destaque para a proibição de sabores apelativos que remetam a doces e sobremesas e embalagens chamativas com desenhos e temas infanto-juvenis. Apesar disso, serão permitidos sabores de frutas, que pesquisas comprovam que são os preferidos dos adultos, além de tabaco, mentolados e similares.
Destaque para o Art.24. que prevê multa mínima de R$ 10.000,00 e máxima de R$ 10 milhões de reais para aquele que oferecer, direta ou indiretamente, um produto de cigarro eletrônico para menores de 18 anos.
Para proteger o público consumidor adulto, são impostas várias regras, entre elas: limite máximo de nicotina de 35 mg/ml, volume total de 22 ml nos frascos de líquidos, utilização de aditivos com alta pureza e até critérios não sanitários de qualidade, como registro no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para segurança no carregamento dos produtos e na Anatel, para produtos que tenham tecnologia bluetooth ou outras tecnologias sem fio similares.
O texto também contempla garantir que a informação adequada seja um ponto chave no comércio dos cigarros eletrônicos no Brasil. Os produtos deverão conter todas as informações e avisos de segurança necessários, como instruções para uso e armazenamento, contra-indicações, possíveis efeitos adversos, lista de ingredientes e advertência sanitária.
Apesar da propaganda ser proibida, a informação técnica e científica é garantia na lei, permitindo a divulgação de publicações com cunho estritamente informativo e de debate científico e social sobre os cigarros eletrônicos, desde que sem menção ou exposição, direta ou indiretamente, de marca comercial. Isso é essencial para manter a população devidamente informada sobre os produtos e continuar monitorando a impacto dos cigarros eletrônicos na saúde pública, estratégia adotada em países como a Inglaterra, que recentemente passou a revisar suas leis e fazer adequações.
Apesar disso, temos críticas ao texto, como a proibição dos chamados “sistemas abertos”. Os produtos de cigarros eletrônicos podem ser divididos em duas categorias básicas, “sistemas fechados” são aqueles em que não é possível fazer o refil do produto, enquanto os “sistemas abertos” permitem que o consumidor faça o refil de um cartucho com o líquido de sua preferência.
Ambos possuem vantagens e desvantagens. Do ponto de vista simplista, um “sistema fechado” seria mais seguro, pois impede que o consumidor coloque produtos inadequados ao consumo. Porém, alertamos que proibir o “sistema aberto” apenas impedirá que esta opção seja oferecida de forma legalizada, o que acabará por alimentar o mercado ilegal, pois é um tipo de produto muito utilizado pelos consumidores.
A segunda crítica está no valor de registro dos produtos. O PL estabelece um custo de registro na Anvisa no valor de R$ 100.000,00 por produto, valor muito alto para iniciativas de pequeno porte, o que pode gerar uma concorrência desleal no mercado, permitindo que somente grandes empresas possam oferecer seus produtos. Da forma como está, o texto vai impedir que muitas iniciativas comerciais ilegais que existem hoje no Brasil possam se regularizar, o que pode acabar por manter uma boa parcela do comércio ilegal ativo.